A tecnologia digital e a função continuísta no audiovisual




Ontem, fiquei sabendo por amigas continuístas, que algumas produções de audiovisual estão exigindo que continuístas produzam mais um relatório diário de desprodução: o das imagens ( frames) de todos os planos e tks valendo do dia.
Ocorre que esta é uma atribuição da assistência de montagem.

Por ocasião do meu mestrado, dissertei sobre a mudança das profissões do audiovisual com a mudança da tecnologia analógica para a digital, no cinema e na televisão.  Observamos que,  com a transformação nas plataformas e equipamentos, da captação à exibição,  a tecnologia contribuiu para a agilidade no fazer do audiovisual, mas não interferiu na logica das profissões que produzem uma "obra audiovisual", assim tratada devido as várias janelas, plataformas por onde é possível exibir um produto audiovisual e não só o cinema e a televisão, como era até a década passada.

Se tivermos em mente que a supervisão do roteiro e a correta transmissão das informações de captação para a montagem, e principalmente durante o dia-a-dia no set, são as atribuições finais de continuístas, num esforço junto à direção para que o espectador não seja retirado da imersão do roteiro por erros que o induzam a distrair sua atenção, nos cabe exatamente a função de criar condições para que aquele roteiro seja realizado e montado conforme a intenção determinada. Cada gênero tem sua especifidade, cada diretor tem seu método, cada equipe é montada para que todas as funções etejam contempladas para a realização de um projeto, mesmo quando o orçamento é reduzidíssimo e trabalhamos com baixíssimos orçamentos, mas isso não interfere no fazer de cada função.

Portanto, continuístas no set estão responsáveis por informar a todos os departamentos o que viabiliza esta montagem sem sobressaltos ou ruídos desnecessários à exibição, dos objetos de cena ao eixo da câmera, à posição do olhar do personagem perante a câmera, do domínio amplo das informações técnicas de câmera e som e, principalmente, de montagem. Nossa atribuição é reunir e distribuir estas informações diariamente, organizando as mudanças no roteiro para, na desprodução, informar à montagem onde elas estão para que a finalização e pós produção possam acessar o material de forma organizada e dinâmica. Nossa atribuição vai um pouquinho além e produzimos relatórios de produção informando horários, plano filmado, minutagem prevista e filmada, câmeras e rolos usados na diária. Além do recolhimento e distribuição de informação diária e continua, nos cabe sistematizar o roteiro, cena a cena, informando à montagem as mudanças ali ocorridas. A mudança de tecnologia não alterou a função continuísta.

O digital trouxe facilidade para as produções. É mais fácil tecnologicamente e, de diversas formas, economicamente, claro, realizar produtos audiovisuais hoje com a tecnologia digital. Profissões sofreram mudanças na forma do trabalho mas não na lógica deste. Devido a proximidade da montagem com a continuidade ( entre a década de 70/80, e até anteriormente, muitas continuístas eram montadoras e vice-verça), ainda se confundem algumas atribuições, acredito. Nós, somos responsáveis pelo roteiro, suas especifidades e mudanças e por passar estas informações de forma clara e correta para todos os departamentos.  A montagem, entre suas diversas atribuições, na pré-montagem, é responsável por receber o material filmado e as informações sobre ele, ORDENAR e separar para que o montador e o diretor encontrem o material que será finalizado com facilidade.

Portanto, o tal roteiro com os frames valendo é ordenação de material para a montagem, mesmo que sejam só fotos. Se há necessidade, por motivos que ainda desconheço, da produção ter todos os frames valendo da diária ( ou do filme todo), hoje temos uma função criada pela tecnologia digital, que é a do logger no set. Ele é responsável por "logar" ( salvar em HDs),  todo o material filmado durante a diária e enviar para a montagem. Muitos deles, além de "logar", já contribuem para a finalização da fotografia fazendo uma análise do material e até deixando na temperatura de cor próxima a desejada pelo fotógrafo, por exemplo (os chamados DITs). Estes, de certa maneira, já fazem este trabalho, mandando relatórios diários com os frames de cada tk rodado, não só dos valendo. Existem programas fechados que os "loggeres" podem compartilhar links do material com membros específicos da equipe. Este é o profissional que estaria adequado ao levantamento em questão, na minha observação, e não a continuidade.

 Durante o set temos a função de acompanhar a direção e a fotografia em todos seus movimentos, pois eles inevitavelmente implicam na montagem e o que fazemos de diferente é lançar mão da tecnologia para aprimorar nosso trabalho.Estas, sim, são as nossas atribuições. Não esqueçamos que a produção digital multiplicou em centenas de vezes o material produzido, e este volume precisa ser informado corretamente para a montagem, ordenado, separado, cortado e finalizado. Essas, são informações pertinentes à continuidade e a montagem na sua consequência natural, mas não se misturam. Fica a dica.

Mara Cecília
02/11/2019
Continuísta e Mestre em Ciência da Informação


Comentários

Postagens mais visitadas