Considerações de uma iniciante


A digitalização das profissões do audiovisual

Ás vésperas de uma banca para vaga no mestrado em Ciência da Informação, do IBICT, foi-me dada a oportunidade, mais uma vez, de ler Giuseppe Cocco em “Indicadores de inovação e capitalismo cognitivo”, um artigo investigativo e propositivo, que reflete a cerca do trabalho, da produção, da remuneração e  o valor do conhecimento. Trata das tensões e diferenças entre emprego e trabalho.  Nele baseei-me, também, para construir esta reflexão.

Ao estudar os  movimentos que nos levaram às recentes crises mundiais, percebemos que a ampliação do crédito  aumentou a ilusão de que o trabalhador poderia consumir, ou seja, simplificando, consolidou a dependência financeira do trabalhador através da torrente de crédito derramado no mercado. Na tentativa de desviar as verdadeiras causas das crises recorrentes, estariam elas centradas basicamente n
a falta de troca de interesses entre o que é público e privado, para a diferenciação entre trabalho e emprego, o pensamento pós-industrial nos faz crer que o que pode causar a crise é o custo de um país e que para minimizá-lo precisamos cortar, vender os espaços públicos e vender nossos valores. Neste sentindo,  acompanhar ou controlar a especulação do capital transforma-se numa batalha inglória e acabamos inevitavelmente na crise. “O crédito  substitui a renda mas o débito torna-se impagável”(1)

Hoje, no capitalismo contemporâneo, as características que fazem o trabalhador sentir-se incluído diferem das do capitalismo industrial. Para a era industrial, o valor  do objeto estava diretamente ligado ao modo de produção. Hoje, os serviços são um dos "objetos" de produção/consumo que mantém o homem conectado ao contemporâneo e ao capital (cognitivo, imaterial), condição necessária para estar “empregável” e produzindo riqueza. A crise se dá diante deste paradoxo:  transforma as riquezas naturais em  custo que precisa ser diminuído, fragmentado, deixando o homem dividido entre a sociedade sustentável e saudável e a impossibilidade de acompanhar esta emergência, diminuindo sua capacidade produtiva e reduzindo o valor do trabalho.
Este sistema perverso termina por pilhar a relação homem/cultura, relação esta que se pretende a base do capital produtivo, equacionado, proporcionando bem estar e sustentabilidade social. “O trabalho que se torna produtivo sem passar pela transação é aquele que consegue socializar-se sem passar pela relação salarial.”(2) .

O trabalho passa a ser capital social, como sempre foi, porém agora com a possibilidade da Internet, em redes sociais e técnicas, onde o compartilhamento de informação, tecnologia e saberes proliferam. As práticas e produções emergentes entre “pares”, nos confirmam a construção de comunidades que praticam a colaboração coletiva e a inovação  permanente, como as relações P2P, por exemplo, exigindo qualidade absoluta de pesquisa, questionando todo tipo de estratégia proprietária. Passamos, então, a pensar nas plataformas colaborativas, nas comunidades livres que se proliferam no ambiente virtual e mais uma centena de possibilidades que a pós-modernidade nos oferece, sejam elas através das mídias digitais (todo tipo de gadgets) ou da Rede, que vem mudando a sociabilidade e as relações de trabalho na atualidade.


Demorou para que as supra estruturas do capitalismo percebessem e chegassem até à produção cultural como produto, fonte de renda e trabalho. Se voltarmos à indústria cultural, deparamo-nos com teorias como as de Adorno, ou Walter Benjamin, que refletem sobre a reprodutibilidade da obra de arte e da apropriação  destas pelo social (3). Hoje falamos em conhecimento como capital e sobre autoria como questão, ou não, de propriedade. O que é autoria, por onde passa a propriedade da obra de arte? Quem cria, quem produz, quem ganha com a cultura? O comportamento das profissões do audiovisual neste momento de reflexão sobre os modos de trabalho e produção cognitiva, as plataformas colaborativas no movimento para o pensamento de um novo tipo de trabalho que une afeto e produção, pesquisa e conhecimento são  exemplos de capital cognitivo em circulação. O conhecimento transforma-se em moeda de troca, não apenas como o criador de objetos, de matéria, mas como formulador de ideias e consumidor de serviços.
 Vivemos o que denominamos de mundo contemporâneo, pós-moderno, digitalizado, ciber, cultural, pós-globalizado (pensando em Tv Globo, também), que diversifica e se apropria de toda produção técnica ou artística, como produto final de consumo.

O capitalismo cognitivo se caracteriza pela desconstrução da relação do salário com a produção. Neste sentido, é possível perceber as transformações das profissões ligadas à cultura. Minha experiência é fundamentalmente prática no mercado de trabalho formal e industrial, da “indústria cultural”, aquela que trata a arte como simples mercadoria. Durante algumas décadas percebi, por observação e prática, o movimento das plataformas que apoiam esta indústria, desde a captação em celuloide, passando pelas diversas fitas magnéticas, até chegarmos aos equipamentos digitais, que simplificam a captação e finalização do produto audiovisual. A mudança das formas de captação e de finalização eram ( são) determinadas pelas mudanças tecnológicas dos equipamentos o que acaba levando toda a estrutura profissional à sua volta a novas práticas, outras linguagens. A tecnologia, a mesma que sempre lançamos mão, nos dá a mão e transforma nosso modo de viver, nosso dia-a-dia, nossas profissões.

De alguma forma a produção de audiovisual que temos hoje, a partir da evolução do digital e da digitalização dos equipamentos nos confirma que já está em curso uma revolução que modificará as relações de produção e de profissionais com o “produto” na realização de conteúdo. É significativo o fato de que hoje grande parte do material do YouTube, e que circula pela Internet, é utilizado pelos jornais, filmes e documentários.
Os celulares, câmeras fotográficas que também são filmadoras, nos permitem realizar desde pequenos filmes, até longa metragens de maneira praticamente artesanais, impactando o mercado com viabilidade econômica e qualidade. É significativo, também, o papel da Internet neste momento de passagem cultural, ajudando a solidificação de uma nova linguagem de comunicação entre os povos. “O fenômeno pelo qual o cinema passou se reproduz hoje com as práticas sociais e artísticas baseadas nas técnicas contemporâneas”, nos dizia Pierre Lévy ao pensar sobre o impacto da Internet, lá em 1999 (4).


O desenvolvimento das tecnologias digitais permitiram uma maior flexibilidade, barateando o custo, tornando-as mais amigáveis e terminando por viabilizar a descentralização da produção audiovisual. Qual seria a natureza da transformação na informação com a passagem do jornalismo e da TV para a Internet, por exemplo, da produção de filmes que se transmite pelo celular, da consolidação da cultura digital? O que muda com o surgimento das plataformas de produção coletivas e também de imagem compartilhada, como já acontece no YouTube, onde conteúdos de imagem e som são criados colaborativamente? O que muda na construção e lógica do roteiro? No jornalismo pode-se perceber que o roteiro é o próprio fato, ou seja, a construção da narrativa se dá no processo onde este acontece. Qual será consequência com a prática da interatividade para a dramaturgia?

Pode-se dizer, ainda, que há uma evidência de que a comunicação não é mais um  processo isolado, sob controle deste ou daquele interesse e que talvez estejamos vivendo o limite de um período onde se tinha um processo controlado e outro onde não há mais controle sobre o objeto da informação. O que muda? Muda o conceito de autor, de roteiro, de direção, de produção e a transmissão da informação. Somos levados de encontro a exigências múltiplas de comportamento, produção, reprodução e valor do trabalho. 
Nosso compromisso com a pesquisa é desenvolver reflexão sobre o movimento de interferência que as tecnologias digitais e as exigências contemporâneas do capital podem estar exercendo sobre as profissões que envolvem um produto audiovisual.

Mara Cecília
04/11/2012.


inovação: Implicações para políticas no Brasil”, 2010- pg 45
2 - Cocco, Giuseppe, “Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovação: Implicações para políticas no Brasil”, 2010 - pg 46
3 "A obra de arte na era da reprotutibilidade técnica" ,1955


Atualizado em 03/01/2013

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